Introdução
A violência contra mulher tem sido um fenômeno altamente discutido na sociedade nos últimos anos, devido a incessável luta das mulheres pelos seus direitos. Há tanto tempo subjugadas e silenciadas, as mulheres tomaram voz para falarem sobre seus sofrimentos e insatisfações, dentre eles a violência sofrida na sociedade, principalmente no ambiente familiar.
A maior parte da violência sofrida pelas mulheres ocorre dentro de casa...
...pelos seus companheiros e/ou outros familiares do sexo masculino e é a maior causa do feminicídio no Brasil e no mundo, segundo dados do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
O que é violência doméstica?
De acordo com o art. 5º da Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar contra a mulher é “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”.
A violência doméstica está enraizada e naturalizada na sociedade, uma vez que mulheres podem demorar muito tempo para perceber que estão em uma situação de violência e de risco.
Entretanto, a violência doméstica não atinge somente mulheres no contexto de relacionamento conjugal heterossexual, e sim todos os gêneros, relacionamentos LGBT+, diferentes culturas e classes socioeconômicas.
Iremos nos referir às vítimas como sendo do sexo feminino, porém é importante destacar que homens e pessoas que se identificam com outros gêneros podem ser vítimas tanto quanto mulheres.
Tipos de violência
A violência doméstica pode se manifestar de diversas formas, segundo a Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, sendo elas: moral ou verbal, física, psicológica, patrimonial ou econômica e sexual.
A violência moral ou verbal envolve gritar; xingar; fazer críticas não construtivas constantemente; ameaçar a segurança e o bem estar; ofender; contestar a inteligência e a capacidade intelectual; debochar constantemente; fazer com que a parceira(o) tenha vergonha do próprio corpo, entre outras. Segundo a Lei Maria da Penha “a violência moral é entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”
A violência física é entendida como qualquer conduta que ofenda a integridade ou saúde corporal da vítima. Inclui bater, empurrar, morder, perfurar, beliscar, puxar o cabelo, cuspir, puxar roupas, encurralar, etc. Também é considerado violência física quando o abusador impede que a vítima saia de um lugar, principalmente quando o ambiente é uma situação de perigo, ou seja, bloquear portas, janelas e esconder as chaves do carro.
A violência psicológica ou emocional pode se manifestar através da constrangimento e humilhações; vigilância constante e perseguição, ameaçar a segurança e o bem estar; acusar a parceira de traição entre outros sem provas; cancelar planos como forma de punição; mentiras e manipulações; dizer que a pessoa não disse algo que disse ou o contrário, rastrear ou ter acesso aos aparelhos pessoais sem o conhecimento e autorização da parceira; impedir que a parceira tenha contato com os filhos; ignorar a parceira por tempo indeterminado; desmerecer as conquistas da parceira, dizer à vítima que ninguém vai acreditar nela caso ela denuncie o abusador, entre outros.
A violência patrimonial ou econômica diz respeito à manutenção do poder econômico nas mãos do abusador que impede que a vítima tenha autonomia sobre o dinheiro e outros recursos. Pode-se manifestar através da recusa em compartilhar informações financeiras; recusa em deixar que a parceira administre o dinheiro; colocar todos os bens materiais no próprio nome; não permitir que a parceira tenha um emprego ou uma renda; não permitir que a parceira tenha conta no banco ou cartões pessoais no nome dela; exigir que a parceira peça permissão para pegar dinheiro; estipular mesada, deixar de pagar pensão, destruir bens pessoais, entre outros.
Na Lei Maria da Penha, a violência patrimonial “[...] é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.”
A violência sexual envolve estupro, coagir a parceira a fazer sexo ou praticar atos libidinosos, filmar ou expor o ato sexual e fotos íntimas sem o consentimento do outro, impedir o uso de camisinha, forçar à prostituição, forçar aborto ou gravidez, praticar atos libidinosos ou ato sexual enquanto a parceira está dormindo ou inconsciente, entre outros. Segundo o estudo de Lima e Werlang: "Esta violência é toda a ação na qual uma pessoa, em relação de poder e por meio de força física, coerção ou intimidação psicológica, obriga outra a ações de estimulação sexual ou ao ato sexual propriamente dito."
O que é relacionamento abusivo?
O relacionamento abusivo é o relacionamento baseado na cultura machista enraizada na sociedade, onde predomina o excesso de poder sobre o outro, promovendo a desigualdade de gênero e mantendo mulheres em posição inferior e de violência.
As principais características de uma relação abusiva são: a presença de uma hierarquia de poder, possessividade, ciúmes excessivo, controle sobre as decisões da parceira, além de isolar a vítima da família e amigos e a presença de qualquer tipo de violência.
O ciclo da violência
A violência pode ser considerada cíclica, devido às suas fases. Em um relacionamento onde persiste a violência doméstica, o abusador não costuma ser violento 100% do tempo, ele também tem atitudes carinhosas e afetivas ocasionalmente.
No início do relacionamento, o abusador utiliza do bombardeamento de amor para conquistar a vítima e depois que a vítima já está envolvida e vulnerável, ele começa os atos de violência.
Fase 1: acúmulo de tensão: o abusador costuma xingar, ameaçar, humilhar, agredir verbalmente e quebrar objetos na frente da vítima. É o momento em que a vítima costuma sentir medo e também pode acabar se isolando;
Fase 2: atos de violência: após a fase de tensão o abusador parte para a explosão de violência, que pode incluir todos os tipos que conhecemos, de forma mais intensificada que na fase de tensão;
Fase 3: lua de mel: depois abusador demonstra arrependimento e pede perdão à vítima, por medo de perdê-la. Assim se inicia a fase da lua de mel, o período em que o abusador dá total atenção e carinho à vítima, colocando-a em um pedestal para que ela se sinta confortável e confie nele novamente, até que retorne à fase de tensão e o ciclo se reinicie.
Os ciclos costumam se repetir com episódios de violência cada vez mais graves e com menor intervalo de tempo.
Devemos estar atentas, pois os casos de feminicídio normalmente tem um aumento gradual do ciclo de violência durante o relacionamento, até que chegue ao ato de violência final.
Por que é tão difícil sair de uma relação abusiva?
A dificuldade das mulheres em saírem de relacionamentos abusivos está relacionada a diversos motivos, como os fatores de dependência emocional e/ou financeira, a falta de recursos para sobrevivência fora do relacionamento, medo de ficar sozinha, crença na ideia de que não vai encontrar alguém melhor, presença do sentimentos de culpa, medo de que as pessoas as responsabilizem pelos abusos sofridos, falta de contatos devido ao afastamento da família e amigos, além do medo de que continuem ou aumentem os abusos e episódios de violência por parte do companheiro, mesmo após a separação.
Por que um atendimento voltado a essa população é importante?
A violência doméstica e o relacionamento abusivo estão relacionados e são problemas pertinentes em nossa sociedade, em vista do número de vítimas cada vez maior, seja por maior conscientização sobre o tema e possibilidades de denúncia, seja pelo aumento da violência em si. E mesmo assim, o assunto ainda é desvalorizado e as vítimas menosprezadas.
Dessa forma, torna-se necessário um atendimento voltado a esse público, que visa a escuta qualificada e valorização dos relatos das vítimas, sem julgamentos, sugerindo uma reflexão acerca da situação vivenciada e possibilitando que a vítima enfrente a situação da melhor forma possível.
Referências
A dinâmica psíquica e as estruturas defensivas da mulher vítima de violência doméstica
Gabrielle dos Santos Lucchese, Hilda Rosa Capelão Avoglia e Patrícia Oliveira Silva
Bol. - Acad. Paul. Psicol. [online]. 2017, vol.37, n.92, pp. 24-39. ISSN 1415-711X.
Mulheres que sofrem violência doméstica: uma contribuição da psicanálise
Gabriela Quadros de Lima e Blanca Susana Guevara Werlang
Psicologia em Estudo, Maringá, 2011.
Disponível em: https://www.scielo.br/j/pe/a/GShYc5SHq9SVcrwbyXxbSbT/?format=pdf&lang=pt
O fenômeno Gaslighting: a estratégia de pessoas manipuladoras para distorcer a verdade e manter você sob controle
Stephanie Sarkis
São Paulo: Editora Cultrix, 2019
Violência conjugal: Estudo sobre a permanência da mulher em relacionamentos abusivos
Tânia Mendonça Marques
Dissertação Programa de Pós Graduação em Psicologia. Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2005
Violência doméstica e familiar contra a mulher: Ligue 180 e tudo o que você precisa saber
Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos
BRASIL, Governo Federal, 2020
Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/denuncie-violencia-contra-a-mulher/violencia-contra-a-mulher
Violência patrimonial, LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006
BRASIL, Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios - TJDFT
Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/violencia-patrimonial